A Revista HUAI trouxe, em sua edição de estréia,
uma entrevista com o mestre Ziraldo,
concedida com exclusividade ao cartunista Edra.
Revista HUAI - HUmor o Ano Inteiro / 2007 |
ZIRALDO: CURIOSAMENTE MALUCO
O ilustre caratinguense, Ziraldo Alves Pinto nasceu em 24 de outubro de 1932. Filho de Zizinha e Geraldo, é o mais velho de uma família de sete irmãos. Ainda criança já demonstrava sua paixão pelo desenho. Naquela época não havia nenhum lugar que passasse despercebido das mãos habilidosas de um já inquieto e criativo Ziraldo. Ele fazia caricaturas dos professores na sala de aula, desenhava nas paredes, na calçada, ou aonde tivesse jeito. Desde as histórias em quadrinhos (os gibis da época), até Monteiro Lobato passando por Viriato Correia, outro interesse que sempre nutriu desde a infância era a leitura. Hábito este que ele defende em suas palestras e entrevistas nos quatros cantos do mundo como de fundamental importância na capacitação do ser humano Ler é melhor do que estudar diz com toda convicção.
Multimídia, na carreira profissional fez de tudo. Formado em Advocacia foi aprendiz de tipografia, auxiliar de cartório, bancário, publicitário, redator, apresentador de TV. Mas é principalmente pintor, cartazista, jornalista, teatrólogo e alcançou fama mundial como cartunista.
Trabalhou em vários jornais e começou a ficar famoso na década de 60 fazendo a página de humor da Revista Cruzeiro, para em seguida lançar a primeira revista em quadrinhos genuinamente brasileira e feita por um só autor: a Turma do Pererê. Depois disto veio mais uma lista de personagens famosos destacando The Supermãe, Geremias o bom e o insaciável Mineirinho Comiquieto. Seu trabalho na imprensa brasileira alcançou seu ápice no lendário jornal Pasquim, editado em pleno regime militar e que reunia um seleto grupo de jornalistas, cartunistas e intelectuais.
Em 1969 estréia como escritor, aventurando-se no universo da literatura infantil com FLICTS atraindo muitos leitores, os mesmos que se multiplicaram em 1980 se deliciando com as traquinagens do Menino Maluquinho alcançando a marca de 2 milhões de livros vendidos, maior sucesso de Ziraldo, tornando-o um dos mais festejados escritores do público infantil da atualidade.
Em entrevista exclusiva ao também cartunista caratinguense Edra, Ziraldo fala um pouco de sua vida, trajetória profissional e o seu tão declarado amor a Caratinga.
Cartunista renomado, hoje é aclamado como escritor de livros infantis. Em que área você mais se realiza?
R – Acho que sou um especialista em assuntos gerais. Meu negócio é ficar de olho. Sou um observador da minha cidade, Caratinga, do meu país, Brasil, e do mundo. A grande palavra para explicar essa vocação é curiosidade. A maioria dos seres humanos nasce sem questionamentos em relação ao mundo; tudo está aí, deve ser assim mesmo. Já outros nascem e querem saber mais. Ter curiosidade é que é o segredo.
Uma das mais antigas lembranças que tenho na vida está numa foto com meu irmão, na qual eu tinhas uns cinco, seis anos, e estava com um livro na mão. Minha mãe, na hora de tirar o retrato, disse: “Traz o companheiro dele”, e alguém perguntou: “Que companheiro Zizinha?”. Aí eu disse: “Meu livro”. Quer dizer, ele era meu companheiro, devia ser meu brinquedo preferido. Lembro que ele estava todo colado com grude, só a capa estava bonitinha. Quando eu abri, mamãe tinha colado o livro de cabeça para baixo, aí eu peguei, virei o livro e ela falou: “Ta de cabeça para baixo”. E eu respondi: “Mas dentro tá de cabeça para cima”. Quer dizer, eu já tinha adivinhado meu futuro. Eu já era curioso. Só gosta de livro quem é curioso.
A sua incursão na literatura como romancista limitou-se a Vito Grandam. Por quê?
R – Rapaz, romance é fogo! Não dá pra fazer nas horas vagas, é a coisa mais envolvente do mundo. Eu teria que largar tudo pra fazer meu segundo romance. Mas, largar de que jeito? Eu quero abraçar o mundo com as pernas...
Quando estava no processo de criação do Menino Maluquinho você acreditava que ele chegaria aos 25 anos e com a bola toda?
R – Quando os militares estavam voltando para os quartéis, o Pasquim perdeu o sentido como trincheira de resistência. Foi quando me aconteceu o Menino Maluquinho. O sucesso do livro mudou minha vida. Virei autor de literatura infantil. Acredito que, quando o livro ficou pronto, eu senti que tinha feito uma coisa nova, diferente, que ia emplacar. Livro infantil, emplacando, atravessa séculos.
Das páginas do livro para o teatro, ópera, televisão e cinema. Em qual das adaptações o Maluquinho se saiu melhor?
R – Você esqueceu de falar nas revistinhas publicada pela Editora Globo, que estão todos os meses nas bancas de jornal do Brasil inteiro. Revista do Menino Maluquinho e revista da Julieta, a menina maluquinha. Olha, cara, tenho dado muita sorte com as adaptaçêes do Menino Maluquinho. Você precisava ver a ópera! E vem aí o filme 3.
Você é um artista multimídia, um dos fundadores do histórico Pasquim, autor de obras como Flicts e criador da Turma do Pererê, Jeremias, Mineirinho, Supermãe entre outros sucessos. A associação quase que exclusiva ao Menino Maluquinho te incomoda?
R – Não, nem um pouco. Além do mais, não me vejo ligado exclusivamente ao Menino Maluquinho. Mas nenhum livro vende 2.500.000 exemplares impunemente, né!
Como as mãos de ferro de um artista preocupado com a política, o social e os costumes deram espaço para mãos afetuosas de um sensível Ziraldo?
R – Sei lá, rapaz! Imagina se isto é coisa que se pergunte. Péra lá, eu acho que sempre fui um cara muito ligado ao afeto.
Quais foram as conseqüências sofridas pela ação direta da repressão política?
R – A vida continua, meu filho. Como disse o Aloísio de Oliveira, o do Bando da Lua, numa entrevista que me deu: “Um momento come o outro, que come o outro, que come o outro... Você até esquece o que foi comido primeiro e vai digerindo e vai digerindo...”
Cite cinco grandes momentos que a sua profissão lhe proporcionou.
R – Vou citar só um que tem a ver com esta Entrevista. Voltar a Caratinga, a terra onde nasci e tive uma infância feliz, juro, sempre é um grande momento na minha vida. Sério Você nasceu desenhista, se formou em Direito e se tornou escritor. Se assim não fosse, qual outra profissão gostaria de ter exercido? R Jogador de basquete.
Como conciliar o processo criativo com uma agenda repleta de viagens, palestras, lançamentos, homenagens...?
R- Sabe que nunca pensei nisto. Acho que sempre trabalhei com a intuição, mas só descobri isto por causa da pergunta. Meu trabalho, eu acho, é fruto, antes de mais nada, de uma certa quantidade de intuição. Ou será que não é? Vai ver, isso tudo é possível porque não tenho prioridades. Nunca pensei em parar de escrever, de desenhar, de editar, de fazer coisas novas. Vou continuar nessa! No meu tempo livre eu trabalho. Trabalho sempre. Ou será que não é isso? Cês vêm aí.
Como você vê a realização dos Salões de Humor pelo Brasil e. principalmente, o de Caratinga, sua terra natal?
R - No Brasil não há, exatamente, um mercado de trabalho para os cartunistas, infelizmente. Os salões de humor estimulam o surgimento de novos profissionais e o de Caratinga tem uma grande importância nisso. Está com o maior prestígio no país.
Aplicação, autoconfiança, entusiasmo, leitura. O que dá mais sustentação a sua criatividade?
R - O importante é estar atento. O processo criativo pode estar na própria natureza, no cotidiano, na página de um jornal. Uma imagem que gosto de lembrar é a de uma folha caindo da mangueira. Para o sambista, “ela dá samba”. Deu para entender?
O que te move mais nas suas produções? Competitividade ou a vaidade?
R - Nem uma nem outra. O que mo move são desafios e encomendas. Como diria o Tom Jobim.
Quem “jogaria” no seu time?
R- No time de futebol? Pelé e mais dez. Só posso escalar o time de veteranos: Millôr, Jaguar, Claudius, Lan... ihh... o resto morreu.
A extinção de Bundas e a tentativa frustrada de reativar o Pasquim te leva a acreditar que publicações desse gênero não dão certo no Brasil? A causa é administrativa ou editorial?
R Bundas foi lançada para ocupar um espaço que eu achava vago. O Brasil tem uma imprensa grande, talvez a única do mundo, em suas proporções, que não tinha (continua não tendo) uma revista de humor, uma revista crítica. Bundas foi lançada para isto. Para contestar do jeito que sempre soubemos. O país precisa de gente que dê mais valor à cabeça do que à bunda. Por isso a ironia do título. Infelizmente os anunciantes não entenderam que a revista falava para as pessoas mais inteligentes deste país, para formadores de opinião, para pessoas que não querem comprar feito mas que querem criar, decidir, escolher, pensar e refletir. O Pasquim 21 tinha esse mesmo objetivo. Não era uma continuação nem do Pasquim (das décadas de 60/70) nem de Bundas, mas usou da mesma ironia, do mesmo humor, tanto de Bundas quanto do Pasquim para criticar e se opor a tudo isso que estava aí. Mas anunciante quer é vender. E quem compra tudo não quer muitas respostas nem muitas perguntas. Dancei nos dois bailes...
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